A náutica de recreio é uma actividade civil que se pratica de um modo lúdico ou em competição no mar ou em planos de água interiores. A Instituição que deve tutelar as actividades destes desportistas e os seus barcos deve ser igualmente civil. Todos os contactos com entidades policiais devem ser reservados apenas para as situações de fiscalização.
Ao atribuir competência às Capitanias para Classificar e Registar as embarcações de navegação costeira restrita e águas abrigadas, o Decreto-Lei nº 567/99 atirou para estas repartições, sob alçada da Marinha, a quase totalidade dos barcos. Portanto, são largos milhares de navegadores de recreio a terem que ir às Capitanias para registarem as suas embarcações.
As Capitanias não têm pessoal nem oficiais com conhecimentos de embarcações de recreio à vela e a motor, para Classificar qualquer embarcação que seja. Nem têm a obrigação de saber sobre qual a relação da altura de um mastro com o comprimento do casco e qual a área vélica correspondente. No que respeita a um barco a motor é o mesmo. Na Escola Náutica os oficiais não tiveram instrução sobre embarcações de recreio, mas sim sobre navios de guerra. Não podem saber, mesmo medindo o casco de um barco, qual a potência máxima do motor.
A Legislação não está em conformidade com a Directiva Comunitária 94/25/CE
O mais grave ainda é que tanto o Decreto-Lei nº 567/99 como o Decreto-Lei nº 124/2004 que substituiu o anterior e está em vigor não estão em conformidade com a Directiva Comunitária 94/25/CE no que respeita à Classificação das embarcações e instituiu duas Vistorias antes do Registo a embarcações novas, uma em seco e outra na água.
No que respeita à Classificação todos os países europeus e os seus estaleiros Classificam em A, B, C e D todas as embarcações, conforme se destinam a navegação Oceânica, ao Largo, Costeira e Águas Abrigadas. No Decreto-Lei nº 124/2004 as embarcações são Classificadas em T1, T2, T3, T4 e T5, conforme as áreas de navegação Oceânica, ao Largo, Costeira, Costeira Restrita e Aguas Abrigadas.
Quanto às Vistorias, são mais uma perca de tempo e um pesado encargo para os navegadores de recreio, porque depois da vistoria em seco têm que levar as embarcações a portos onde existam gruas para as meter na água, para ser efectuada a vistoria a flutuar.
Em parte nenhuma da Europa se fazem vistorias a embarcações novas para serem Registadas.
O Decreto-Lei nº 124/2004 contraria a Directiva Comunitária 94/25/CE que é bastante clara quanto à aceitação, para efeitos de Registo das embarcações de recreio novas:
“Os Estados-membros não podem proibir, restringir ou dificultar a comercialização ou entrada em serviço nos seus territórios de embarcações de recreio que ostentem a marcação “CE” referida no anexo IV, que indica a sua conformidade com todas as disposições da presente directiva, incluindo os procedimentos de conformidade referidos no capítulo II”
Todos os estaleiros europeus, reconhecidos pela Comunidade Europeia, incluindo os portugueses, quando lançam uma nova embarcação ela é certificada por uma Sociedade Classificadora também reconhecida. A partir daqui o estaleiro coloca a marcação “CE” no barco e este fica de imediato classificado quanto à área de navegação, carga máxima e lotação.
Segundo a Directiva Comunitária, fica tudo à responsabilidade de cada estaleiro. A Placa CE, a Declaração Escrita de Conformidade e o Manual do Proprietário que cada barco passa a ostentar, têm que ser aceites sem quaisquer restrições.
O Registo de uma embarcação em Portugal é um processo com uma pesada burocracia, chega a demorar semanas ou meses e é muito oneroso, pois custa sempre largas centenas de euros, devido ainda a ter-se que pagar o aluguer de gruas e guindastes, para colocar e tirar o barco da água. E ainda obriga as Capitanias a fazerem o cálculo da arqueação do barco que a Comunidade eliminou para as embarcações de recreio.
Há muitos eventuais compradores que desistem do barco, por causa destes problemas e muitos vão registar as embarcações em outros países europeus, perdendo-se por isso essa receita para o Estado.
Uma embarcação que foi projectada por engenheiros navais, certificada por uma Sociedade Classificadora reconhecida, ostenta a Placa “CE”, é nova e tem a garantia de dois ou mais anos, o que é que lhe falta? Para ser obrigatório em Portugal uma Vistoria prévia para ser Registada.
A redução das habilitações da Carta de Marinheiro matou a iniciação
Nos anos 90 do século passado a náutica de recreio estava em pleno desenvolvimento, com milhares de embarcações registadas todos os anos e milhares de novos navegadores e desportistas náuticos que anualmente tiravam as Cartas de Navegador de Recreio.
Quem se queria iniciar tirava a Carta de Marinheiro. Esta permitia que o seu titular navegasse com barcos à vela ou a motor até os 13,70 metros de comprimento e com motores até os 240 HP.
Com a Carta de Marinheiro os velejadores podiam timonar veleiros até os 13,70 metros de comprimento.
Com estas habilitações satisfaziam-se plenamente todos os que se queriam iniciar na náutica motorizada, sem experiência e com algum receio da aventura, pois podiam adquirir uma embarcação como se fosse um automóvel, com motor interior sob uma tampa, volante, painel de instrumentos e bancos estofados confortáveis. Com este tipo de barcos, que se conduzia como um automóvel, levavam a passear a família e os amigos em embarcações que mostravam extrema segurança.
Começavam por comprar um barco de 6 metros e depois com a aquisição da experiência e incentivados pela família iam comprando barcos maiores. O mesmo procedimento que se tem quando se compra o primeiro automóvel e depois os seguintes.
Porém, ao ser aprovado o Decreto-Lei nº 567/99, as habitações da Carta de Marinheiro foram drasticamente reduzidas e os seus titulares ficaram com apenas a possibilidade do comando de barcos até os 7 metros de comprimento e a potência de 240 HP passou para apenas 60 HP.
Os velejadores ficaram reduzidos a timonar praticamente metade da frota de regatas em Portugal.
Quanto às embarcações motorizadas, quem até ali se iniciava num barco com motor interior, cuja potência mínima é de 135 HP, deixou de o poder fazer. A iniciação em embarcações com motores fora de borda com o máximo de 60 HP, não incentiva porque o barco é pequeno e não parece tão seguro. E depois, a maioria dos familiares tem medo, desconfiam dos barcos com motores fora de borda e recusam-se a entrar dentro dele.
Ter de se fazer outro curso, o de Patrão Local, para possuir um barco para o qual dantes bastava a carta de Marinheiro, foi afastando os interessados na náutica de recreio motorizada. Em 2005 o IPTM já registava menos 50% de cartas de Marinheiro e igualmente menos 50% do registo de embarcações.
O sistema introduzido pelo IPTM para atribuição das cartas de Navegador de Recreio, com os examinadores com os Pontos debaixo do braço a visitarem as escolas de formação náutica para efectuarem os exames, incentivou uma elevada corrupção. Havia escolas onde toda a gente passava e outras onde chumbava tudo. Também pelo telemóvel era dado atempadamente a conhecer a alunos as perguntas do Exame. Chegou a haver escolas que preparavam os alunos e depois enviavam-nos a outra escola só para fazerem o exame.
Com tudo isto, todos os anos foi diminuindo o número de interessados na iniciação da náutica de recreio. As escolas de formação náutica foram fechando e hoje não aparece ninguém com interesse no curso de Marinheiro e as escolas não conseguem reunir o número de alunos suficiente para darem o curso.
Pontos-Chave para a Náutica de Recreio
Durante vários anos reuniu-se no IPTM o Conselho da Náutica de Recreio para criar um novo Regulamento da Náutica de Recreio. No final a proposta apresentada pelo IPTM não foi aprovada pelas Federações Náuticas, as entidades que representam os praticantes.
Entretanto, a Federação Portuguesa de Vela e a APICAN apresentaram ao anterior Governo projectos que não tiveram qualquer seguimento.
Destes retirámos algumas ideias base, e agora acreditamos que a solução para que o novo Regulamento da Náutica de Recreio seja adequado e incentive a prática das actividades náuticas é fundamental incorporar os seguintes Pontos-Chave:
1º – Estar de acordo com a Directiva Comunitária 94/25/CE
2 º Classificar as embarcações assim:
A – Navegação Oceânica – sem limite
B – Navegação ao Largo – até 200 mn da costa
C – Navegação Costeira – 40 mn da costa
C1 – Navegação Costeira Restrita – 12 mn da costa
D – Águas Abrigadas – 3 mn da costa e águas interiores
Todas as embarcações novas serão registadas sem quaisquer vistoria e devem ostentar a Placa CE, e terem a Declaração Escrita de Conformidade e o Manual do Proprietário.
Para serem registadas deixa de ser necessário o Cálculo de Arqueação.
Os estaleiros e as empresas que vendem os barcos devem registar as embarcações, tal como se faz com os automóveis, no Organismo Civil que detenha o RETECER.
3º – Agregar as seguintes Cartas de Navegador de Recreio
Para haver mais incentivo na prática da Náutica de Recreio deve-se empenhar os Clubes Náuticos em promover a iniciação e serem eles os pólos do desenvolvimento das diversas actividades e desportos aquáticos.
Deste modo deve ser criada uma carta básica de patrão que deve ser tirada nos Clubes Náuticos, para assim se estimular a entrada de novos sócios e criar em cada clube uma escola com sentimento náutico.
Patrão Básico – maiores de 18 anos – Habilita o titular em navegação diurna até 12 mn da costa em embarcações à vela ou a motor até 12 metros com a motorização adequada.
Patrão Básico – dos 14 aos 18 ano – Habilita o titular em navegação diurna até 3 mn da costa em embarcações à vela ou a motor até 7 metros com a motorização adequada.
Patrão Básico – dos 8 aos 14 anos – Habilita o titular em navegação diurna até 1 mn da costa em embarcação até 5 metros à vela e a motor com a potência de 4,5 KW
Patrão de Costa – Habilita o comando de embarcações até 40 mn da costa
Patrão de Alto Mar – Habilita o comando de embarcações sem limite de área
No que respeita às equivalências com as Cartas de Marinheiro e Patrão Local antigas, deveriam ser equivalentes à Carta de Patrão de Costa. Não sendo de cariz obrigatório, os Clubes Náuticos poderiam promover acções de reciclagem com os titulares destas Cartas.